'Contabilidade paralela' identificada pela PF em celular de cunhado de Manga mostra valores e nomes em suposto esquema de propina
12/11/2025
(Foto: Reprodução) Polícia Federal aponta Rodrigo Manga como líder de organização criminosa
A Polícia Federal apontou a existência de uma "contabilidade paralela" que registrava valores de propina pagos por empresas interessadas em vencer licitações na Prefeitura de Sorocaba (SP). As anotações também indicam os nomes das pessoas que teriam recebido os valores. As investigações da Polícia Federal levaram ao afastamento de Rodrigo Manga (Republicanos) do cargo de prefeito de Sorocaba (SP) por 180 dias.
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O g1 e a TV TEM tiveram acesso aos documentos que mostram também como era o suposto esquema e a participação do cunhado de Manga, Josivaldo Batista de Souza, e do empresário Marco Silva Mott, que foram presos na segunda fase da Operação Copia e Cola, na quinta-feira (6).
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Rodrigo Manga abraça o cunhado, Josivaldo Batista, durante evento em igreja evangélica
Redes Sociais/Reprodução
A movimentação financeira era anotada no bloco de notas do celular de Josivaldo e aponta um controle minucioso de valores supostamente ilícitos recebidos por meio de contratos com o poder público. A investigação revelou um registro financeiro mantido por Josivaldo, que foi classificado pela Polícia Federal como "contabilidade paralela".
De acordo com o relatório da Polícia Federal, as anotações encontradas em um dos documentos apreendidos indicam registros de entradas e saídas de valores, acompanhadas de abreviações que identificariam a origem ou o destino do dinheiro.
Como o documento está dividido entre "entradas" e "saídas", a PF concluiu que os valores anotados ao lado das abreviações nas entradas representam pagamentos de propina relacionados a contratos de empresas com a prefeitura.
Os investigadores apontam que as cifras foram anotadas de forma abreviada. Por exemplo, o registro "155 cmx" corresponderia a R$ 155 mil. Segundo o relatório, essa interpretação é reforçada por outros lançamentos, como "61.800 eteg" e "295.200 wc", que aparecem sem abreviações quando possuem números diferentes de zero na casa das centenas.
PF identificou anotações de movimentação financeiras em bloco de notas no celular de Josivaldo Batista de Souza; siglas e abreviação indicam valores, pessoas e empresas que participavam do esquema criminoso
Reprodução
Empresas e servidores municipais
Conforme o relatório, o termo "hamamed" foi encontrado nos registros financeiros. Segundo a PF, o nome se refere à empresa Amhemed Assistiência à Saúde , que firmou cinco contratos com a prefeitura entre os anos de 2021 e 2024. De acordo com a Polícia Federal, a empresa teria pago propina para conseguir os contratos.
A empresa City Transportes Urbano Global Ltda também foi relacionada pela PF nos registros contábeis de Josivaldo. Há 11 lançamentos que remetem à palavra "City" na divisão de entradas. O montante de mais de R$ 1,7 milhão foi pago supostamente pela empresa no período de quatro meses.
A empresa Única Sorocaba Vigilância e Segurança Patrimonial Ltda também aparece no relatório da PF. Durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa de Josivaldo, os agentes encontraram dois envelopes contendo anotações e uma quantia significativa em dinheiro vivo.
Um dos pacotes trazia a inscrição "Prett", termo que, de acordo com a investigação, se refere à sigla "Pret" usada nas anotações de Josivaldo. A empresa foi relacionada após a Polícia Federal encontrar no celular de Josivaldo uma suposta conversa entre o pastor e o sócio administrador do Grupo Única, Fernando Francisco Prette.
Envelopes encontrados continham nomes relacionados à empresas que fecharam contratos com a Prefeitura de Sorocaba (SP)
Reprodução
Pagamentos ilícitos relacionados a contratos da prefeitura com o Consórcio Sorocaba Ambiental e/ou o Consórcio Novo Sorocaba Ambiental (CNSA) também constam no relatório. De acordo com a ivestigação, foram identificados seis lançamentos com à sigla “LX”, com valores que somam R$ 2,8 milhões. Os lançamentos ocorreram entre dezembro de 2024 e março de 2025. A investigação aponta que a sigla LX seria uma abreviação cifrada de “lixo”. Segundo o relatório, os valores poderiam corresponder a propinas pagas por empresas responsáveis pela coleta de lixo na cidade.
Investigação aponta que a sigla “LX” seria uma abreviação cifrada de “lixo”, o que indicaria a origem dos pagamentos. Segundo o relatório, os valores poderiam corresponder a propinas pagas por empresas responsáveis pela coleta de lixo em Sorocaba (SP)
Reprodução
Os nomes de secretários e servidores municipais também são citados no relatório da PF. São eles:
Clayton Cesar Marciel Lustosa (secretário do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte);
Luciana Mendes da Fonseca (secretária de Administração);
Márcio Bortolli Carrara (assessor de gabinete na Secretaria de Governo);
Paulo Henrique Marcelo (assessor do Gabinete Central);
Marcelo Duarte Regalado (secretário municipal da Fazenda).
Os servidores aparecem na contabilidade paralela de Josivaldo como supostos beneficiários de pagamentos ilícitos ligados ao esquema de corrupção. Até o momento, porém, eles não são investigados pela Polícia Federal.
Contratos simulados
O relatório da PF aponta que entre 2021 e 2025, Rodrigo Manga, a primeira-dama Sirlange Rodrigues Frate e Marco Mott teriam ocultado a origem de valores que foram transformados em ativos aparentemente lícitos. Para isso, segundo a PF, foram feitos contratos de publicidade entre as empresas Sirlange Rodrigues Frate – ME, atual 2M Comunicação e Assessoria, e Sim Park Estacionamento Eireli, que pertence a Marco Mott.
Outro contrato teria sido firmado entre a empresa de Sirlange e a Igreja Cruzada dos Milagres dos Filhos de Deus, que pertence a Josivaldo e a mulher dele, Simone Rodrigues Frate, irmã de Sirlange. Entre fevereiro de 2021 e junho de 2023, teriam sido movimentados mensalmente R$ 780 mil com pagamentos de R$ 30 mil, exceto em três meses de 2022.
Polícia Federal aponta Rodrigo Manga como chefe de organização criminosa e beneficiário de esquema
Divulgação
A investigação aponta que os contratos de publicidade seriam fictícios, isto é, criados para dar aparência de legalidade à entrada de dinheiro de origem ilícita.
O relatório destaca ainda que os contratos suspeitos foram assinados em janeiro de 2021, nos primeiros dias do primeiro mandato de Manga, período marcado pelo auge da pandemia de Covid-19. Para a investigação, a coincidência da data reforça a hipótese de que os acordos foram firmados apenas para dissimular a movimentação dos valores.
Despesas do prefeito
A esposa de Josivaldo também mantinha anotações para controle financeiro dos valores, conforme a investigação.
A contabilidade feita por Simone era anotada em folhas de papel e controlava pagamentos de despesas pessoais do núcleo Manga, feitas, segundo a Polícia Federal, com recursos de origem ilícita. As despesas incluíam:
Boletos de clube associativo;
Condomínio residencial;
Mensalidade da faculdade da filha do prefeito;
Custeio mensal de cavalos pertencentes ao prefeito.
O que dizem os citados
A defesa de Rodrigo Manga disse, em nota, que a investigação conduzida pela Polícia Federal de Sorocaba é completamente nula, porque foi iniciada de forma ilegal e conduzida por autoridade manifestamente incompetente.
A defesa de Sirlange Rodrigues Frate Maganhato informou que todas as operações financeiras mencionadas na investigação são lícitas, corroboradas por documentação e devidamente declaradas em Imposto de Renda. Disse ainda que todos os serviços mencionados foram efetivamente prestados e os valores faturados correspondem às atividades executadas.
Os representantes de Josivaldo, Simone e da Igreja Cruzada de Milagres dos Filhos de Deus afirmam que jamais participaram de qualquer atividade ilícita e que todos os recursos da igreja e de seus sócios estavam devidamente declarados às autoridades desde 2018.
A defesa de Marco Silva Mott disse desconhecer os fatos citados na reportagem e que se manifestará quando acessar provas da investigação criminal.
A Amhemed informou, em nota, que não foi notificada oficialmente sobre a investigação e que a instituição sempre pautou sua atuação pela legalidade, transparência e responsabilidade, cumprindo integralmente todas as suas obrigações legais, fiscais e contratuais.
"Caso sejamos formalmente acionados pelos órgãos competentes, estaremos à disposição para colaborar integralmente, como sempre fizemos, a fim de esclarecer quaisquer pontos necessários", completa.
Sobre os servidores municipais, citados na investigação, a Prefeitura de Sorocaba informou que não foi oficialmente notificada e que o setor jurídico do município não teve acesso ao conteúdo.
City Transportes Urbano Global e Consórcio Sorocaba Ambiental e/ou o Consórcio Novo Sorocaba Ambiental (CNSA) não se manifestaram até a publicação da reportagem.
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